sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

O mito do gaúcho

As camadas populares sempre perderam no campo da luta, desde Cabral. Por que elas devem continuar perdendo nos livros de História? Segundo o historiador Luiz Roberto Lopez, em sua revisão dos mitos gaúchos, utilizar o nome do povo para encobrir interesses de apenas um grupo significa uma nova derrota popular, na medida em que se impede que um episódio histórico sirva para a formação de uma consciência crítica.

No Rio Grande do Sul, a ideologia construiu o mito do gaúcho. Austero, guerreiro, bravo e herói, surgiu em uma estreita relação com o fato histórico que mais o alimentou: a Revolução Farroupilha. Ao longo do tempo, a visão homogeneizadora do gaúcho tem servido para ocultar relações de conflito e dominação.

Como cabe a nós a busca da verdade, devemos antes lembrar o fato de estar errado o termo Revolução para o levante farrapo. Não foi um revolta popular, levando em conta os interesses em jogo. Mas, na condição de classe subordinada, o povo lutou. A historiadora Sandra Pesavento enfatizou a Revolução Farroupilha como um fato concreto em cima do qual se idealizou a figura do gaúcho, mas que também deixou como herança para o povo do Rio Grande do Sul o seu conteúdo de luta contra a oposição periférica do Estado diante de um governo central ganancioso e opressor.

Nos dias atuais, os gaúchos, como também são chamados os sul-riograndenses, ainda cultivam algumas raízes separatistas, como é o caso do santa-cruzense Irton Marx, que 160 anos depois proclamou a independência do Rio Grande do Sul. Apesar de ter sido o seu ato apoiado por poucas pessoas, muitos gaúchos ainda compartilham da mesma opinião. Porém, não se sabe ao certo se radicalizar seria a solução, já que em muitos aspectos não se teria a total independência.

Mas afinal, quem era então o gaúcho? De acordo com os estudos do historiador Décio Freitas, o gaúcho, longe do que foi idealizado, era apenas a fatalidade de um trabalhador sem estabilidade, abandonado pelo governo central, obrigado a buscar emprego de estância em estância. Seu gosto por revoluções não passava de pretexto para saquear e comer. A sua "liberdade" esteve sempre condicionada às vontades do estancieiro. Seu cotidiano nada teve de lúdico e idílico, como muitos ainda pensam. Apenas o habilitou a enfrentar a árdua Guerra dos Farrapos.

Portanto, reacender a cada ano o espírito do movimento farroupilha tem um objetivo claro entre os gaúchos: utilizar o passado para reforçar a indignação do povo gaúcho do presente, estabelecendo uma analogia entre contextos políticos distintos: nas duas épocas, as misérias deste Estado teriam como único culpado o poder central. É uma luta contra a virtualização da nossa memória.

O problema reside no fato de que, assumindo essa postura rebelde diante das decisões de nosso país, o Rio Grande do Sul está também em um constante pé-de-guerra com a opinião pública brasileira, em todos os âmbitos. sempre contrária ao caráter e postura do gaúcho. Isso dificulta relações, negociações e investimentos, já em conseqüência de diversos outros fatores decorrentes daquele. É o preço que se paga por ser alfabetizado e politizado num país onde historicamente se ensina a não saber.

4 comentários:

  1. Caro Luciano, parabéns pelo seu artigo. Muito bem escrito e com uma visão de quem vivencia o fato nos dias atuais. Surgiu uma dúvida que gostaria de ser esclarecida se possível. No final do seu artigo, há a “utilização do passado para contestar... o poder central”, isso é claro. A dúvida é a visão do povo gaúcho com três presidentes do regime militar na ditadura militar?
    Como é a avaliada essa participação?
    Obrigado pelo excelente artigo.

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  2. O tradicionalismo gaúcho tem um lado bom e um ruim. O lado bom é que os gaúchos são críticos e questionadores, coisa que todo brasileiro deveria ser (só falta transformarem isso em idoneidade na política do próprio estado). O lado ruim é o gauchismo ser uma verdadeira lavagem cerebral: ninguém tem opinião própria, só sabem repetir o que foram condicionados desde pequenos, feito papagaios. Se pelo menos tivessem sido condicionados a serem críticos, mas não... 90% do tempo arrotam o "orgulho de ser gaúcho" e 10% se preocupam em analisar as coisas criticamente. Personalidade moldada, se vc viu um tradicionalista viu todos. Bem feito! De tanto incomodarem ganharam o estereótipo do "gaúcho viado". Gauchada, aprendam, não é pra levar as coisas como time de futebol e nem como religião. Se querem tanto conquistar o mundo, façam isso com humildade e irão longe.

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  3. Oi Luciano.. fiquei com algumas dúvidas depois de ter lido este artigo..
    Sou argentina e gostaria de saber mais sobre a cultura do seu país..
    Algumas dessas questoes seriam saber:
    Por que o gaúcho tem um papel tão importante como mito e não assim o pernambucano, o mineiro o carioca, etc?
    Por que essas figuras que representam o mito gaúcho têm tanta relevância no imaginário popular?
    Quais os elementos culturais, sociais fundametais que o povo do RS tem para a conformação desse mito e que seja classificado como tal?
    Existe apenas um mito do gaúcho, ou algum que predomine? Qual seria?
    Falando em teorias, tem alguma que sirva como referência para entender melhor esse mito ou analisá-lo?
    A partir de que momento o mito extrapola a região e pode ser considerado como tal?
    Que relações, diferenças e-ou semelhanças poderia ter este mito com os outros que tem lugar nos primeiros anos do séc.XX, como é o caso de Macunaíma M. de Adrade, Jeca tatu de Monteiro Lobato, o Homem Cordial de S.B. de Holanda...
    Muito obrigada,
    Olga..

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  4. Morei vários anos no Rio Grande do Sul, posso falar com propriedade.
    O "mito" do gaúcho tão cultivado e propalado no Rio Grande do Sul, na verdade serve a uma oligarquia dominante (Grupo RBS) que repete 1 milhão de vezes o mesmo mantra e como ja dizia Paul Joseph Goebbels, o Marqueteiro do Nazismo, uma mentira repetida mil vezes vira uma verdade inconstestável. O que se percebe, é que os Sul Rio Grandenses perderam a sua capacidade de contestar as "informações" passadas por esse grupo de comunicação, ninguém tem opinião própria, só sabem repetir o que foram condicionados pela mídia desde pequenos, feito papagaios. Se pelo menos tivessem sido condicionados a serem críticos, mas não... 90% do tempo arrotam o "orgulho de ser gaúcho" e 10% se preocupam em analisar as coisas criticamente. Personalidade moldada.
    Com esses 10% que raciocinam dar para se travar um diálogo com os outros 90% é perda de tempo.

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