As camadas populares sempre perderam no campo da luta, desde Cabral. Por que elas devem continuar perdendo nos livros de História? Segundo o historiador Luiz Roberto Lopez, em sua revisão dos mitos gaúchos, utilizar o nome do povo para encobrir interesses de apenas um grupo significa uma nova derrota popular, na medida em que se impede que um episódio histórico sirva para a formação de uma consciência crítica.
No Rio Grande do Sul, a ideologia construiu o mito do gaúcho. Austero, guerreiro, bravo e herói, surgiu em uma estreita relação com o fato histórico que mais o alimentou: a Revolução Farroupilha. Ao longo do tempo, a visão homogeneizadora do gaúcho tem servido para ocultar relações de conflito e dominação.
Como cabe a nós a busca da verdade, devemos antes lembrar o fato de estar errado o termo Revolução para o levante farrapo. Não foi um revolta popular, levando em conta os interesses em jogo. Mas, na condição de classe subordinada, o povo lutou. A historiadora Sandra Pesavento enfatizou a Revolução Farroupilha como um fato concreto em cima do qual se idealizou a figura do gaúcho, mas que também deixou como herança para o povo do Rio Grande do Sul o seu conteúdo de luta contra a oposição periférica do Estado diante de um governo central ganancioso e opressor.
Nos dias atuais, os gaúchos, como também são chamados os sul-riograndenses, ainda cultivam algumas raízes separatistas, como é o caso do santa-cruzense Irton Marx, que 160 anos depois proclamou a independência do Rio Grande do Sul. Apesar de ter sido o seu ato apoiado por poucas pessoas, muitos gaúchos ainda compartilham da mesma opinião. Porém, não se sabe ao certo se radicalizar seria a solução, já que em muitos aspectos não se teria a total independência.
Mas afinal, quem era então o gaúcho? De acordo com os estudos do historiador Décio Freitas, o gaúcho, longe do que foi idealizado, era apenas a fatalidade de um trabalhador sem estabilidade, abandonado pelo governo central, obrigado a buscar emprego de estância em estância. Seu gosto por revoluções não passava de pretexto para saquear e comer. A sua "liberdade" esteve sempre condicionada às vontades do estancieiro. Seu cotidiano nada teve de lúdico e idílico, como muitos ainda pensam. Apenas o habilitou a enfrentar a árdua Guerra dos Farrapos.
Portanto, reacender a cada ano o espírito do movimento farroupilha tem um objetivo claro entre os gaúchos: utilizar o passado para reforçar a indignação do povo gaúcho do presente, estabelecendo uma analogia entre contextos políticos distintos: nas duas épocas, as misérias deste Estado teriam como único culpado o poder central. É uma luta contra a virtualização da nossa memória.
O problema reside no fato de que, assumindo essa postura rebelde diante das decisões de nosso país, o Rio Grande do Sul está também em um constante pé-de-guerra com a opinião pública brasileira, em todos os âmbitos. sempre contrária ao caráter e postura do gaúcho. Isso dificulta relações, negociações e investimentos, já em conseqüência de diversos outros fatores decorrentes daquele. É o preço que se paga por ser alfabetizado e politizado num país onde historicamente se ensina a não saber.