Já disseram que a TV era a mídia do futuro. Também disseram que ela era o futuro da mídia. A "caixa burra", que tantos desprezam e só não jogam fora porque precisam de um lugar confortável para ver filmes e séries piratas, já teve seus dias de Vênus Platinada.
É curioso pensar que o alvo predileto de todos os que trabalham com o mundo digital já foi, um dia não tão distante, ela também uma mídia alternativa, irregular, de baixa qualidade e falta de conteúdo. Chega a ser irônico lembrar que, nos anos 80, época em que o mundo se descobria, se rebelava e buscava integração, a TV era o que se podia imaginar de mais cosmopolita e contemporâneo. Pensando bem, já disseram que o Jazz-- o mesmo Jazz que você, se der sorte, vai ouvir em algum elevador --era uma música perigosa e subversiva. Os tempos mudam rápido.
Já louvaram as capacidades e potencial da TV, mesmo na época em que ela não era muito mais do que uma caixa pesadona, plantada no meio da sala, consumindo uma quantidade enorme de energia e atenção. Foi aquela TV preto-e-branco, com 525 linhas, dependente de retransmissoras e sinal UHF, com imagens borradas e "fantasmas" de sinal que mostrou ao mundo o homem na Lua, empolgou políticos e cientistas e plantou a idéia de um só povo interconectado ao redor do planeta. Alguns defendiam que a exposição ao ritmo frenético da TV estimularia o cérebro das crianças, chegaram a propor até -sacrilégio!-- uma TV em cada sala de aula. A relação com a tecnologia estava claramente enviesada, para não dizer deslumbrada ou apaixonada: a TV era um sonho, tinha potencial para dar voz aos oprimidos, acabar com as injustiças, educar o mundo e promover a paz mundial. Ela só tinha qualidades. Com ela, caminharíamos de mãos dadas rumo à Era de Aquário.
É claro que nem todos eram fascinados. Havia --como sempre houve-- quem desconfiava de tantas maravilhas instantâneas. Críticos, alguns alertavam que a telinha afastaria, isolaria e prenderia seus usuários em um mundo de fantasias e fáceis conquistas, embora fosse difícil encontrar quem os levasse a sério. Até mesmo entre os mais esclarecidos não faltava quem se considerasse superior à massa, portanto imune ao poder imersivo da TV. Mas me atrevo a dizer que poucos, na época, a criticaram pelos motivos certos. Sua oposição estava mais para uma resistência à mudança do que para uma aceitação crítica. Até porque não era possível impedir seu progresso nem prever o que aconteceria quando o mundo todo estivesse ligado.
No entanto algo se quebrou. Justo ela, que tinha tantas possibilidades, acabou seguindo por um caminho tão torto e descontrolado. Não há como negar que tenha se tornado gigantesca e influente, mas quando se compara suas conquistas com o potencial que tinha, fica claro que se ela tivesse uma mão um pouco mais firme em sua formação talvez hoje ainda fosse fascinante.
Pois muito antes do DVD, do sinal digital, da alta definição, dos cabos e satélites, dos finos monitores de plasma e LCD, dos Home Theaters com áudio em Dolby 5:1 e dos smartphones com antenas retráteis, ninguém de bom senso ainda esparava algo de valor vindo dela. A TV do futuro morreu antes do futuro chegar.
Hoje a história se repete com a grande rede mundial. Não é preciso fazer uma análise sociológica para perceber que no fundo não há tanta diferença entre a qualidade média do YouTube e a da TV aberta. Que a profundidade e radicalismo nos assuntos discutidos em comunidades do Orkut não se distancia dos programas de auditório em horários não tão nobres de emissoras idem. Esse pessoal parece que não aprende. Não vai demorar para fazerem o mesmo com os videogames.
A rede já não é mais a maravilha que foi. Mas ela ainda não está perdida. Dá tempo de construir conteúdo de valor e estimular as pessoas a criarem interações de qualidade. E de ganhar dinheiro com isso.
Errar, afinal, é a melhor escola. Persistir no erro, diz-se por aí, não é exatamente algo sábio.
(Escrito por Luli Radfahrer)
Grêmio e Corínthians
Há 11 anos